“Agricultura é barriga cheia”: Conheça dona Gera, a produtora da goma de macaxeira mais famosa do…

by | maio 6, 2022 | Perfis

Dona Gera do Beiju. Crédito: Géssica Amorim/ Coletivo Acauã.

A goma produzida pela agricultora faz tanto sucesso, que, para vendê-la, dona Gera não precisa nem ir até a cidade, os clientes é que vão até ela, na zona rural. Por mês, as vendas chegam a ultrapassar os 250 quilos do produto. O dinheiro que recebe é utilizado para custear despesas básicas da casa, pagar a conta de energia e as mensalidades do plano de internet que a agricultora adquiriu há pouco mais de um ano.

Crédito: Géssica Amorim/ Coletivo Acauã.

Dona Gera do Beiju cresceu trabalhando em casas de farinha, plantando, colhendo, raspando, moendo e lavando a massa da raiz, para extrair o amido e produzir a goma que hoje vende em casa. O seu plantio de macaxeira, que mantém com a ajuda do marido, é orgânico. Eles não fazem uso de nenhum tipo de agrotóxico ou adubo químico no cultivo da raiz. Quando necessário, utilizam apenas esterco animal para a adubação do solo.

Antônio Nunes, marido de Dona Gera. Crédito: Géssica Amorim/ Coletivo Acauã.

Trabalhando no roçado, Antônio cava as covas na terra e Dona Gera planta as manivas, que são pedaços do caule da planta da macaxeira. O casal também trabalha junto na colheita e em outras tarefas da propriedade, mas, na casa de farinha, o trabalho fica por conta da agricultora. Da raspagem da raiz, até a pesagem e embalagem da goma.

A propriedade do casal tem pouco mais de 25 hectares e, em boa parte do terreno, dona Gera e seu Antônio também cultivam milho e algumas frutas, mas a principal cultura é a da macaxeira. E o cultivo é dos dois tipos: da macaxeira mansa e da macaxeira brava.

A mansa é aquela que compramos na feira e cozinhamos em casa. Essa, Gera e Antônio plantam e colhem para consumo próprio. Já a brava, é mais utilizada para a produção da goma, da farinha e outros derivados. Por possuir um alto teor de ácido cianídrico, esse outro tipo de macaxeira não deve ser consumido sem antes passar por alguns procedimentos de lavagem, moagem, separação e secagem. É que o ácido cianídrico é uma substância que, quando consumida, toma o espaço do oxigênio no sangue, podendo causar náuseas, tonturas, asfixia e até levar à morte, dependendo da quantidade ingerida.

O escritor mineiro Guimarães Rosa, na década de cinquenta, já falava sobre as propriedades e variedades da macaxeira, em Grande Sertão: Veredas:

“(…) Melhor, se arrepare: pois num chão, e com igual formato de ramos e folhas, não dá mandioca mansa, que se come comum, e a mandioca-brava, que mata? Agora, o senhor já viu uma estranhez? A mandioca doce pode de repente virar azangada — motivos não sei; às vezes se diz que é por replantada no terreno sempre, com mudas seguidas, de manaíbas — vai em amargando, de tanto em tanto, de si mesma toma peçonhas. E, ora veja: a outra, a mandioca-brava, também é que às vezes pode ficar mansa, a esmo, de se comer sem nenhum mal. (…) Arre, ele (o demo) está misturado em tudo” (2001, p. 27)

Dona Gera do Beiju tem um grande respeito pela terra e pelo seu trabalho. “Aqui, nós vivemos da agricultura e com a agricultura vamos permanecer. A agricultura, pra mim, é barriga cheia. Tenho o maior prazer em ser agricultora, de ter condições de colocar o alimento na minha casa, sem ter o trabalho de ir lá no mercado comprar. Nasci e me criei nesse sistema e irei permanecer nele”.

Crédito: Géssica Amorim/ Coletivo Acauã.

A agricultora diz que nunca quis fazer outra coisa na vida, além de lidar com a terra. “Eu estudei até a quarta série. Ainda fiz curso de corte e costura, artesanato. Sempre busco o conhecimento, ainda que pouquinho, de uma coisa aqui e outra ali, mas nada é como a agricultura. Eu acho que nasci pra ser agricultora mesmo”.