Desde que me entendo por gente, um pequeno quadro de Santa Luzia, enrolado com uma fita de cetim azul, está pendurado na parede da sala da casa da minha avó materna, Maria do Socorro, conhecida em Catende (Mata Sul de Pernambuco) como Totou e falecida em 2021, aos 75 anos, por conta de problemas no coração.
Dois anos depois da sua morte, o quadro continua na mesma parede. A casa, hoje, é habitada por um tio e uma prima. Olhando para ele, eu me lembro que, durante muito tempo, fui tomada por uma sensação de medo ao encará-lo. No início, me parecia muito misterioso, mas, com o tempo, descobri um fascínio pela mulher da imagem. Intimamente, passei a chamá-la apenas de Luzia.
Santa Luzia, senhora de luz
Protetora dos olhos
Dos olhos do mundo
Luzia é tu, eu sou apenas Maria
Ela nasceu numa família nobre e viveu em Siracusa, região da Sicília, na Itália, no início do século IV. Há algumas versões para contar a sua história e martírio. Uma delas diz que a sua mãe, Eutíquia, teria sido curada de graves hemorragias internas por Santa Ágata, por intermédio de Luzia, que era devota da Santa e acreditava que sua mãe poderia alcançar a graça se simplesmente tocasse o seu túmulo. Ela e Eutíquia viajaram, então, para a cidade de Catânia, onde o milagre teria acontecido. Santa Ágata teria feito uma aparição e conversado com Luzia sobre a doença de sua mãe e confirmado a cura.
Àquela época, Luzia sofria por ter sido prometida a um casamento arranjado e queria se livrar desse compromisso e dedicar a sua vida ao cristianismo, fazendo voto de castidade e distribuindo os seus bens aos pobres. A sua mãe tinha uma opinião contrária aos seus desejos. Preferia que a filha se casasse e tivesse filhos. Só depois do milagre de Santa Ágata, teria apoiado Luzia.
Inconformado, o homem que se casaria com ela não aceitou o fim do noivado. A denunciou às autoridades da época, acusando-a de ser cristã e de violar as leis do Império Romano, que, durante muito tempo, perseguiu os cristãos.
Em 13 de dezembro de 304 d.C, Luzia foi torturada e teve os olhos arrancados e exibidos em uma bandeja dourada. Logo em seguida, outros olhos teriam surgido em seu rosto.
Para quem acredita e necessita de proteção ou cura para os olhos, basta orar para Santa Luzia. Ela foi consagrada protetora dos olhos e mãe intercessora para os que buscam ver a luz e as belezas da criação.
Quando estava viva, minha tia Maria José dos Santos, conhecida como Bezé, pediu ajuda à santa, depois de acordar de uma cirurgia de remoção de osteomas na testa sem enxergar. Ela confiou a Luzia os seus olhos e teve a graça alcançada, voltou a ver. Ao ser atendida, Bezé comprou o quadro que até hoje está pendurado na parede da casa da minha avó Totou e enrolou a fita azul na imagem, passando a trocá-la todo ano, no dia da Santa, até morrer lutando contra um câncer de pele, em 2021.
Com a postura de Bezé diante da Santa e da sua devoção, aprendi a entender a importância de enxergar e de valorizar cada segundo da nossa visão. Descobri com Santa Luzia e com Bezé os mistérios da fé de gente como a minha tia, pessoas comuns, com suas próprias e várias histórias.
Escolhi ter carinho pela santa que protege os olhos do povo e que parece estar perto dele, sendo facilmente encontrada nas comunidades mais populares. Antes de Bezé falecer, em seu leito de morte, pedi a ela o quadro de Luzia.
Recentemente, outra tia me lembrou de uma foto em que eu apareço nos braços de um primo, ao lado de um andor, em uma festa em Laje Grande, distrito de Catende. Antes, este registro era apenas uma imagem de uma bebê com o seu primo numa festa, ao lado da imagem de uma santa. Revendo a fotografia, notei que Luzia estava conosco. Ela sempre esteve, mas eu ainda não estava preparada para Luzia.